quarta-feira, 30 de julho de 2014

A menina e o candeeiro que escrevia poemas,


Maria.
Era assim que a chamavam.
Maria vivia com a avó, uma senhora que encontrou, um dia, com os cabelos cor dos sonhos e "olhos-corações" verdes, como as fitas da trança de Maria. Eram companheiras de todos os dias. Quando Maria corria atrás das folhas verdes que o vento levava, a sua avó dizia com um tom meigo de alerta:

-"Maria, tem cuidado. Os teus pés são muito pequenos comparados com os do vento".

Maria sorria e numa canção distorcida respondia:

-"Deixa lá avó, para que serviam os pés do vento se não corrêssemos com ele?"

Maria era muito feliz, tão feliz que era invejada pelas andorinhas que a acompanhavam nesta dança primaveril. O que elas não sabiam era que, quando anoitecia, agigantava-se um medo no peito da pequena Maria. Um gigante medo que ultrapassava a sua pequenez. Tremia muito, nessas noites. Ouvia todos os ruídos das noites mais calmas, e os silêncios das tempestades mais ferozes. A pequena menina dormia com medo. Um dia, Maria reparou no candeeiro reluzente no teto. Nunca se tinha lembrado de que podia ser o seu brinquedo, nessas noites, o seu amigo que lhe contava histórias de embalar. Era brilhante, "parece um candeeiro mágico, avó" sussurrava entre um pestanejar sonolento e amedrontado. "E é Maria". E contava-lhe sempre a mesma história, àquele coração pequenino, enrolado em amor:

Há muito tempo, as pessoas vagueavam felizes, embora não conhecessem os pés do vento. Mas, todas as noites uma inquietação terrível lhes cobria o rosto. Por isso, dormiam sempre com o candeeiro aceso. Observavam-no e diziam ser um Poeta. Os pequenos braços de luz que, depois, se dividiam em milhares de mãozinhas frágeis escreviam, no teto, versos com corrupios mágicos. Mãos que, ditavam poemas, histórias tão belas que adormeciam toda aquela gente triste e pálida. Dizia-se que, aquele candeeiro tinha sido um presente entrançado com amor, para nós. Desde então o Poeta acalenta as noites frias, e conforta quem o observa com pequenas poesias douradas. Entre versos, esperanças e paz, com a sua luz refletida no teto imenso, o candeeiro aquece o coração de meninas como tu, Maria. Podes até falar com ele, se assim o desejares. 

Maria, dócil, escreveu um silêncio no ar, prolongou-o e suspirou:

-"Avó,  porque dormimos na rua?"

terça-feira, 29 de julho de 2014

*

Dava tudo, sempre. Dava sempre tudo o que tinha das flores que colhia. As pétalas, recortava-as, uma a uma e, arrancava-as de um botão amarelo, semelhante ao sol. Eram feitas de um fio acetinado de luz. Tricotava-o, com ternura e, dava-to a ti. O caule, esse, rasgava-o aos pedacinhos e semeava-lhes parcelas de amor, redondas e doces que, depois, plantava nos teus olhos e em cada toque meu, depois teu. Nas folhas, prendia um sorriso perfeito partido em sete partes iguais para que, todos os dias, pudesses ter um só para ti, inteiro. A raiz, repleta de pequenos pedaços de terra húmida, e isso porque estava viva, guardava-a para que, nos dias mais secos, mais tristes, te pudesses agarrar a ela, à tua raiz viva. E assim fazia com todas as minhas flores, cuidava delas e depois, de ti. E assim farei com cada nova flor do amanhã, mas primeiro cuidarei de ti porque, a beleza delas, não se iguala à do teu coração. Isto, para te dizer que continuarei a arrancar flores, de mim, para ti. 

(escrevo-te porque, também tu, és a minha inspiração) 

sexta-feira, 25 de julho de 2014

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Às vezes, no meio do meu turbilhão, aquele em que ninguém me salva, aquele onde o vento me arranca o coração da caixinha onde o guardo, encontro-me. Desencontro-me de mim. Perco o nexo, o sentido das coisas e tu, olhas-me como se eu quisesse ser assim, como se comprasse uma angústia para mim como compro um par de sapatos. Mas, não há sapatos que mais me angustiem, agora, como aqueles que eu calcei quando vim embora, quando soube nos teus olhos que duvidavas de nós. Eu não escolhi amar-te assim e, agora, tenho de aprender a não olhar para ti com amor, a não sorrir para ti com o desejo que me beijes depois. E isso dói, sabes? Aprendi a amar-te e, todos os dias me apaixonei mais um bocadinho por ti. E que amor tão doce...! E como és belo, Meu Bem...! E como escrevo com as lágrimas entaladas algures em mim...! E como te quero bem e que sejas feliz, em plenitude...! E se, alguma vez, leres isto, fica com a certeza que, de mim para ti, tudo é amor, sempre...! Além disso, só um Obrigada, também com amor.

E como escrevi uma vez quando ainda tudo era desejo:

"... Só me resta beijar-te assim, docemente, melodiosamente enquanto nada te digo..."

um respirar profundo.