terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

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Encontro-me no meio de uma agonia chuvosa e um soluço colorido. Não entendo, com certezas, onde paira a sanidade das emoções, mas penso em ti. Com todas as minhas forças, e sem elas também, penso em ti. Nas mãos, nos doces olhos que me amparam, na textura de mel da tua voz, penso em ti, em todos os teus pormenores que já conheço tão bem. Às vezes, entre silêncios, peço-te que me queiras, que viajes comigo para um lugar acorrentado ao amor.E depois tu sorris, como se entendesses aquele vazio, sem nada entenderes. Enquanto te observo não consigo evitar voar para lá do que existe. Imagino-te a segurar-me a mão com esse teu jeito, a escorregares os dedos pelo meu cabelo enquanto dizes, sem nada dizer, que me queres bem . Pões tanto de ti em tudo o que me dás. Soubesses tu quem sou, quem seríamos juntos. Soubesses tu, que na lua existe um reflexo de todos os meus mais recônditos desejos. Pudesse ela contar-te, pudesse tudo isto ser mais uma insanidade, onde não houvesse amor.

Uma rajada de vento.
Silêncio.
E só me resta beijar-te assim, docemente, melodiosamente enquanto nada te digo.


sábado, 8 de fevereiro de 2014

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Desci aquela rua, a mesma de sempre, mas não como das outras vezes. À medida que os meus pés sentiam o chão, ia-me lembrando de como era bom ter os sentidos aguçados. Desci a rua, sozinha, como tantas vezes ultimamente. Imaginei tudo o que aquela calçada teria sentido, um dia. Sentia as pedras feridas. Imaginei tamanquinhas de madeira a pisarem-na, sapatos de verniz, sandálias frescas das meninas de tranças e bonecas de trapos nas mãos. Tantas vidas, tantos passos, tantas diferenças marcadas nas pedras da calçada. Imaginei que a chuva corria entre as falhas do caminho.  Que as lavadeiras, que trauteavam cantigas de amores passados, se reuniam ao nascer do Sol para lavarem a roupa tingida de mágoas, desafinarem destinos alheios e reverem-se na água fresca, como um reflexo ensaboado de rugas. Imaginei as violações de almas na escuridão das vielas.E tremi. Fugi delas. Desci. Cruzei-me com velhas almas que, outrora, foram crianças cheias de sorrisos presos aos cabelos, e doces sonhos amarrados aos pulsos, como balões coloridos. Hoje precisam de mim. Dou-lhes a mão, a minha trémula, a deles, firme e sábia. Subo a rua. A calçada está seca e quente, reparo que é Verão e não havia embriaguez nas pedras do chão. Chove em mim, apenas em mim, nas minhas vielas. Nos meus dedos, que desenham o coração, há lágrimas penduradas que borratam a tinta. Percorri a rua com sonhos, afigurei uma infância.
Respirei.
Galguei-a de novo, com os meus velhos fantasmas, firmes, pela mão.
A viela.
A rua. Todas as ruas da minha vida.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Carolina.
Era assim que gostava de lhe chamar quando existia num reflexo. Havia nela, subtilmente,  uma tristeza encantadora. Da lua, erguia um brilho pálido que a mistificava, um brilho que desenhava, a carvão, os seus olhos cor de mel, cor daquilo que, outrora, a enjoava.
Quando não chovia, Carolina mudava de tom. Tornava-se numa pequena margarida amarela que florescia, todas as manhãs, nas montanhas longínquas que a sua janela fotografava. Costumava dizer-me, baixinho, que era uma menina de cera. Quando chorava, as meninas dos seus olhos, as duas chamas, apagavam-se lentamente, as amígdalas derretiam-se pela garganta, a cera escorria-lhe até ao fundo do seu peito e ali ficava a secar. Ninguém,  nenhum outro reflexo a veria chorar porque, com todo o amarelo aveludado que se juntava no peito,  iria tecer um manto de chuva para guardar, dizia. Um dia, quando os céus perdessem a esperançosa água,  Carolina, gentilmente,  choraria sobre a terra.

Carolina. Era assim que gostava de lhe chamar quando a chuva aveludada lhe acariciava o rosto.
Carolina. A menina de cera.