quinta-feira, 22 de setembro de 2011


Cachimbos acesos perdidos na rua

Imortalizavam o som da chuva.

Ela correndo de xaile na mão,

Nua, somente nua.

Os mendigos nauseabundos pedindo pão,

Com esmolas no bolso,

E um cobertor no chão,

Admiravam a coragem da alma perdida,

Que corria, corria sentida

Gritando baixinho

“Que loucura, que loucura a minha”.

Vidros verdes como o luar

Cravavam-lhe a carne com sede de matar.

Cansada e impotente olhou à sua volta

Caiu de joelhos cantando, “revolta”.

Cachimbos queimados envolveram-lhe o corpo,

E de xaile na mão perdeu-se na rua,

Nua, somente nua.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

De joelhos afagava o seu pranto,

Com os pés feridos num prego esmagado

Numa capela longínqua do oceano,

Onde nem havia prado.

De pedra, velha, enrugada,

Embalava os seus sinos no colo.

Cantores, filhos redentores

De uma só criada.

Pairava uma imagem no seio materno,

Pedra nos olhos e vidro nas mãos,

Atirava esperança para o respirar, apaziguava

Toda a amargura de um cansado coração.

Com um manto de neblina esbatido

Amparava o sal que formava cristais,

E os sinos de oiro adormecidos,

Respiravam em silêncio,

Pincelando num grito todos os sinais vitais.

De joelhos Rezava as suas fés

Chorando amargamente no frio,

Entrelaçando as mãos fortemente

Só conseguia sentir um vazio.

De joelhos rezava a sombra ténue,

De joelhos se feriu,

De joelhos se levantou e logo caiu.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Era uma vez.

Dançava nas árvores a coruja,

Era noite e dançava.

Verdes como o prado,

Altas como o sonho,

Temidas como ele, medonho.

Tropeçava no silêncio arrepiante entre o olhar,

Frio, gelado persuasivo

Como o amor de matar.

A boneca tremia,

Respirava lentamente para fingir a presença

Entre o manto branco do sono e a sua ausência .

Cabelos sujos, ensanguentados

Eram caracóis negros humilhados.

Sobrava a respiração amedrontada

Um raio de sol no meio do nada.

De mão trémula, olhar ausente,

Carolina chorava docemente.

“É hora de partir”, cantava-lhe baixinho,

Enquanto no corpo a perfurava de mansinho.

Os segundos congelaram-lhe o corpo,

Cegaram-lhe a melodia da voz.

E no fundo da mágoa guardada no baú,

Restava-lhe um muro e uma casca de noz.

E uma flor colorida colheram do cansaço,

E carolina partiu, após muito fracasso.

sábado, 2 de julho de 2011

Bolha de ar,


Negros prados feitos de linho

Acolhem à noite um menino,

Pardo guerreiro, sujo impuro

Vem no silêncio

matar o sonho da amada.

Esfaqueando perfura o espaço

Entre o peito e o olhar

Trazendo o nada.

Com as lágrimas sujas ao amar

Percorre o sono com fúria,

Queimar ou esfolar ,

É tudo o que lhe resta na penumbra.

Protector divino do inferno,

porque me tomas ao colo sem tumba?

Abrasa o escuro com o navio terno,

Menino da noite do prado negro,

Matá-la-ás com o teu medo.

E assim roubarás a respiração,

Roubarás a bolha de ar sem mais uma negação…

sexta-feira, 1 de julho de 2011


Habita em ti o assombro,

O medo na escuridão submersa dos olhos,

Infernalmente movimentas o corpo,

A silhueta perversa do inferno.

Tremores.

Há linhas negras, sem regras

Pálidas como o silêncio.

Linhas minhas. Tuas. Linhas nossas, mortas.

Alma nua, crua. Ferida torta.

Tremores.

Há em ti o horror,

O crepúsculo apagado

Mordido pelas unhas ferozes,

Esgaçado pelo corpo áspero,

De um ser danado.

Tremores.

Vive em ti a força ardente,

O poder apetecível da manipulação,

Violas o íntimo da tua cria,

Agrides com a tua mão

Perfeito suicídio de uma semente,

Mais uma alucinação.

Tremores.

E o fim imediato.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Sentindo o que ela sentia


Que me falte o ar seu eu peco

Ao olhar o céu de jeito infernal,

Perdoem-me os poetas se traio as linhas antigas,

As letras que fizeram cantigas.

Mas sobre esta imensa aurora

Dourada como a loucura,

O sangue esvai-se das veias criadas

Pela tua amargura.

Perdoem-me os deuses.

As rosas já caiem do céu,

Voam pecados mortais que me arrancam

O suor da luta.

Avista-se o risco. O limiar da esperança

É um perfeito poço, onde tu vives, maldito.

Maldito sejas, criatura!

Que me falhem os sentidos se eu te obedecer, impura,

Que me matem com as garras de um animal,

Sujo, fraco, morto, ensanguentado,

Como eu neste ar fechado.

Que me falte o ar se eu pecar

No teu lugar… que as preces tragam amor

Em vez do frio, e me levem os sussurros da noite deste vazio,

Que me levem os ventos do norte,

ou então me tragam a morte.

Que o silêncio seja o ponto final

Do teu olhar mortal…

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A alguém...

Com jeito doce, e protector,

Trazia o luar da manhã Nos olhos,

Nas alcofas de um sonho pequenino,

Meigo e delicado.

A mão quente e brilhante,

Beijava o seu pequeno cofre

Como em cada lágrima escondida, a pureza de um cristal

Como, sem água, a tristeza de uma sereia.

O lençol da ternura Levantava

Com jeito e protecção.

Agarrava-a pela alma,

petrificava a mágoa,

Escondia os medos na lonjura da saudade.

Penteava-lhe os cabelos negros

Com a esperança que saltava da sua lealdade,

Entrançava-lhe os sonhos num caminho,

Todo o tempo, todo o carinho.

A menina, a mulher, a amiga, a irmã,

Parou devagar o relógio,

Amparou-a no seu tempo,

Numa luz perfumada de sonho,

Enquanto no colo,

prendia um amor eterno, firme e docemente,

Para sempre, para sempre…

sábado, 28 de maio de 2011

O amor nosso


Desenhava no teu coração. Trocava as letras por chuva

Húmida e sedenta. Das aves pardas que caíam mortas em ti,

Nascia um alecrim podre de amor, decomposto pelo sol.

Desnudaste nela a ferida seca, ora garota ora velha,

Ora esquiva, ora vulgar, enquanto o teu peito era marcado.

Das meninas quentes dos seus olhos escorriam pedras,

No desenlaçar das mãos trovejava ardentemente.

Fogo renascido, agora apagado,

Agora frio e amanhã quente.

Enquanto as letras eram trocadas pela chuva,

Todos os dias tu morrias estendido nos braços dela,

E ainda lhe davas um presente, um alecrim de amor,

Podre e decomposto como o nosso.

domingo, 24 de abril de 2011

Sentia o bater do seu coração como os segundos aprisionados num relógio. Não conseguia abstrair-se, aquele barulho incomodava-o... às vezes alternava o ritmo, mas continuava a existir uma batida insuportável. Entrava-lhe pela pele, contornava os dedos das mãos, passeava-lhe as meninas dos olhos e fazia-o chorar como uma criança descontrolada, invadia os ouvidos e ficava lá a gritar. Estava habituado a ouvir-se a ele próprio, mas não como naquele dia. A sua respiração estava ofegante, o que lhe prendia os músculos das pernas à dor e o imobilizava. Escondido num escuro visível ele morria sozinho, estava habituado a fazê-lo diariamente hora após hora, mas naquele dia era diferente. Sentiu um silêncio ainda mais sereno, um sono a pesar-lhe nos olhos e a fechá-los lentamente. Lembra-se de ver um pássaro no beiral, e depois mais nada. Um sono pesado. Para além dele não havia mais nada, só uma vontade de dormir para sempre, e foi o que fez este homem.

sexta-feira, 4 de março de 2011


Escrevo-te o meu amor em jeito de carta, lembrando-me de que o vento também o costuma fazer quando te passeia o rosto, quando delineia os teus traços suaves e doces. Gostas do vento, dizes. Gostas porque é ameno e te arrepia. E tu gostas que te arrepiem. Costumas olhar-me e pedir-me em silêncio que te erice os poros quentes da pele, em silêncio porque essa é a nossa melodia preferida. É no silêncio que declamas os mais belos e tímidos poemas, é na imensidão de um vazio preenchido que me pedes para te amar um dia atrás do outro, é no barulho mudo que me olhas apaixonadamente e me suplicas que não te deixe, porque o silêncio é aquilo que nós quisermos, e para nós é amor. Um amor que me faz sentir a chuva no rosto, como um raio de sol no coração, e que me enaltece a beleza escondida. Tens o dom de transmitir paz apenas com o ofegar da tua respiração certeira ao meu pescoço. Um sopro de ar que me transporta para um arco-íris onde o tesouro é o teu toque no meu amor profundo. (...)

Saboreia estas linhas da mesma maneira que saboreias os meus olhos todas as vezes que me pedes para não te olhar com tanto amor…

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Just this,

Deixo que o pensamento me fuja para o cansaço supremo do fim dos dias. O fim dos dias, eles mesmos, cansados e gastos e sujos por crueldades dos Homens. O pensamento acabou de me fugir para o cansaço dos dedos trémulos e ignorantes na escrita. Assim me deixo acabar e percorrer um sonho vazio.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O tempo é algo indefinido, é a espera e a procura de um segredo escondido pelos ponteiros do relógio, pela Lua e pelo Sol. O amor precisa de tempo e de espera e da procura do segredo da eternidade, mas a espera nem sempre é fácil e a procura pode cansar e desgastar. É difícil esperar. É difícil procurar sem desistir. Mas mais difícil do que esperar é amar sem nada em troca. E o amor requer silêncios e gritos e esperas e sigilos únicos. Eu esperei por ti. Esperei o tempo necessário para perceber que era inútil olhar para o mar e lembrar-me dos teus olhos. É tão fácil sonhar. É tão fácil imaginar-te. É tão fácil desenhar-te no céu unindo as estrelas. É tão bom acreditar que voltarás, mas é inútil. Esqueci-me que existe uma barreira a separar-nos chamada distância. Ignorei aquilo que a minha consciência sempre me disse, mas quem ama ignora e não ouve, nem vê, apenas sente e espera. Mas agora estou cansada de esperar na minha janela. Estou cansada e fraca para esperar que, com todo o teu cavalheirismo, batas à porta com um ramo de flores e digas que sentiste falta do cheiro a baunilha desta rua dos amores. É tempo de beber um pouco da noite. Oh…mas é tão difícil desistir de te esperar, de te amar. A espera e a paciência é própria dos amantes, e o sonho alimenta a espera. Já passei tantas noites a dormir encostada à janela. Sei que atrás daquelas colinas tão altas, tu também estás ansioso por voltar, ou será mais um sonho meu? Talvez…talvez seja tempo de acorrentar à tua espera um ponto final. Aos poucos as palavras vão-se transformando em pó e a minha alma em cinza que o vento levará para saberes que já é tarde para voltares…já esperei demais, e quando se espera demais o amor rasga e parte e destrói e mata o coração. É assim que os amantes morrem de amor, com a alma reduzida a nada e com a espera a levar-lhe o olhar para o vazio.