quarta-feira, 17 de março de 2010

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Jurei não te esquecer, meu amor, jurei. Assim como jurei não voltar a cruzar a rua onde te deixei. Passo as esquinas do tempo e temo ferozmente antever o teu vulto, temo intensamente desviar o meu olhar para os teus dedos meigos e encontrá-los cruzados com outros que não os meus, ver os teus braços apoiados noutros ombros e os teus olhos mergulhados noutra essência. Depois disto desviaria a atenção, fugiria para casa a chorar enquanto com as mãos afastava a multidão que me impedia de andar, pontapeava os casais apaixonados e chorava ainda mais amaldiçoando todas as pessoas que amam.

Mas mesmo assim não te esqueceria, meu amor, não conseguiria arrancar de mim tudo o que um dia foi tatuado em cada poro da minha carne. Mendigaria o teu amor até me dares a insignificativa esmola de um olhar de soslaio. Até que um dia, me cruzaria contigo de novo, tu com os dedos frios e mortos entrelaçados numa mão quente, voltarias o rosto para trás e com o mais duro e penetrante olhar, me suplicarias “Não me deixes”. As minhas lágrimas cairiam e eu sussurrava baixinho “Não, não te deixo. Mendigo e mendigarei sempre o teu amor, até que a esmola seja maior que o sofrimento”. Abandonaria para sempre a tua luz e jamais te encontraria, jamais os nossos destinos se voltariam a ligar.

2 comentários:

  1. tentar decifrar as encruzilhadas do futuro é uma aventura dentro de um sonho onde tudo acontece à nossa maneira . Adorei :)

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  2. Desfecho

    Não tenho mais palavras.
    Gastei-as a negar-te...
    (Só a negar-te eu pude combater
    O terror de te ver
    Em toda a parte).
    Fosse qual fosse o chão da caminhada,
    Era certa a meu lado
    A divina presença impertinente,
    Do teu vulto calado,
    E paciente...
    E lutei, como luta um solitário
    Quando, alguém lhe perturba a solidão
    Fechado num ouriço de recusas,
    Soltei a voz, arma que tu não usas,
    Sempre silencioso na agressão.
    Mas o tempo moeu na sua mó
    O joio amargo do que te dizia...
    Agora somos dois obstinados,
    Mudos e malogrados,
    Que apenas vão a par na teimosia.

    Miguel Torga, Câmara Ardente

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