domingo, 4 de abril de 2010

Capítulo I


Estou velha e cansada. As rugas cobrem-me a angústia e caem sobre os meus olhos. Sinto os membros incapacitados, cada vez mais inertes no meu corpo gasto. As mãos já estão deformadas, e também elas com rugas a caracterizarem a pele. A memória já falha. Não sei quem sou, por vezes. Não reconheço aqueles que me falam e me tocam e acarinham. Não me lembro do barulho da chuva a cair no telhado nem do ribombar dos trovões. Cada vez que há um fenómeno da natureza, têm de me explicar o que é…e só depois me recordo de como eu gostava de andar à chuva e apreciar toda aquela beleza da paisagem do céu a chorar. Sinto-me triste pela traição da minha memória, tenho a certeza que tinha tanta coisa lá guardada de que não me queria esquecer, mas, a velhice ou a sabedoria, como queiras chamar, traz perdas, perdas irremediáveis. Contudo, a pele que hoje visto não é a mesma da juventude. É pesada e sensível. É pálida e escura ao mesmo tempo. O meu Mundo mudou.


(excerto de "Diário de uma Velhice", por Camila Tchékhov)

3 comentários:

  1. adoro a conjução da fotografia com o texto! vou seguir*

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  2. Texto lindo e sensível. O envelhecimento é dádiva e dívida. É preciso aprender a respeitar com o tempo a mudança do mundo que levamos no coração.

    Lindo, Camila.

    Meubeijopravocê

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  3. Oh, minha afilhada liiinda, se alguma vez deixares de escrever, vou-te bater tanto, mas tanto...!!!

    ***

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